Explosão de clínicas, promessas milagrosas e judicialização preocupam pais, profissionais e entidades de saúde
Nos últimos anos, o Brasil testemunhou um crescimento expressivo na oferta de clínicas e serviços voltados para o tratamento do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Embora o aumento da visibilidade e da busca por terapias especializadas represente um avanço na luta por inclusão e diagnóstico precoce, especialistas alertam para um fenômeno preocupante: a mercantilização do autismo.
“Infelizmente, o tratamento do autismo virou um grande negócio”, afirma o neuropediatra Dr. Ricardo Gomes, que há mais de 20 anos atua com crianças neurodivergentes. Segundo ele, há uma crescente indústria que se aproveita da vulnerabilidade de famílias em busca de soluções, muitas vezes oferecendo terapias sem base científica ou protocolos que desrespeitam a individualidade da criança.
A expansão desregulada do setor tem levantado questionamentos entre profissionais de saúde, conselhos de classe e entidades da área da educação. Em algumas cidades, clínicas chegam a oferecer pacotes com mais de 40 horas semanais de intervenções — o que, segundo especialistas, pode ser excessivo e até prejudicial dependendo do caso.
Outro ponto de atenção é a judicialização do acesso a terapias. Com base na Lei 12.764/2012, que garante o direito à saúde integral da pessoa com TEA, famílias têm recorrido à Justiça para obrigar planos de saúde a custearem tratamentos com preços elevados, nem sempre recomendados pela equipe multiprofissional que acompanha o paciente.
O presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, Dr. Mauro Nogueira, destaca que o tratamento do autismo deve ser baseado em evidências, centrado na criança e realizado por uma equipe interdisciplinar, respeitando a singularidade de cada indivíduo. “O risco é transformar uma necessidade de cuidado em uma exploração comercial.”
Enquanto isso, o Ministério da Saúde estuda medidas para ampliar o acesso a atendimentos qualificados na rede pública, além de regulamentar melhor o funcionamento das clínicas privadas que atuam com o público autista.
Pais e mães de crianças com TEA pedem mais fiscalização, acolhimento e informação. “Não queremos milagres, queremos respeito, responsabilidade e cuidado de verdade”, desabafa Adriana Souza, mãe de um menino autista de 6 anos.
A discussão, embora sensível, é urgente: é preciso garantir que o avanço na conscientização sobre o autismo venha acompanhado de ética, responsabilidade e compromisso real com o bem-estar das pessoas no espectro.
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